Afinal como é que os cães aprendem?

Como é que os cães aprendem e porque é se comportam de determinada forma em determinado contexto?

Estas são perguntas que certamente já se colocou. Questões como, porque é que ele não para de nos chatear quando estamos à mesa a jantar? Porque é que ele não para de me puxar quando vamos à rua? Ou ainda, porque é que ele não para de saltar quando eu chego a casa ou quando tenho visitas? São todas questões com as quais me deparo constantemente, e que são habitualmente objeto de desagrado e preocupação por parte dos cuidadores. A verdade, é que os cães estão a aprender a todo o momento (não só quando os estamos a treinar) e aprendem muito rapidamente (na sua generalidade) tanto para o bem como para o mal, digamos assim.

Neste sentido, e de forma a ajudá-lo a entender como funciona a mente dos nossos patudos, e a estar na vanguarda para o educar corretamente, vamos falar de Ciência, da Ciência da Aprendizagem e do Comportamento.

Iremos abordar alguns conceitos chave sem os quais não seria possível entender como tudo se processa. O mais importante a reter é para já o de Condicionamento Operante.

Condicionamento Operante é uma parte da Ciência do Comportamento que explica a relação funcional entre os estímulos ambientais e o comportamento.

Assim o Condicionamento Operante comporta quatro procedimentos operantes pelos quais o cão aprende com base nas consequências decorrentes dos seus comportamentos. A saber Reforço positivo, Reforço negativo, Castigo Positivo e Castigo Negativo.

De uma forma simples irão trabalhar para obter uma consequência positiva para eles ou evitar uma consequência negativa.

Iremos assim debruçar-nos sobre estes conceitos e procedimentos, descrevendo no que consistem e nos benefícios e malefícios da sua aplicação, discutindo também questões éticas da sua aplicação.

Na Dog Aware prezamos a utilização de metodologias de reforço positivo evitando o uso de quaisquer técnicas que induzam medo dor ou desconforto.

Afinal como é que os cães aprendem?

Um pouco de História

O Condicionamento Operante foi desenvolvido por B.F. Skinner nos anos 60 e 70, tendo por base os estudos anteriormente desenvolvidos por Ivan Pavlov (vencedor de Prémio Nobel) sobre Condicionamento Clássico ou Condicionamento respondente/ reflexivo e J.B. Watson, psicólogo experimental, conhecido como o fundador do movimento na psicologia que é chamado Comportamentalismo (do inglês, Behaviorism).

Assim, podemos dizer que existem dois processos de aprendizagem: por associação (Condicionamento Clássico desenvolvido por Pavlov e Watson) e por consequência (Condicionamento Operante desenvolvido por Skinner) sendo que por vezes andam de “mãos dadas” sendo difícil separar um do outro.

No entanto, podemos dizer que o primeiro é reflexivo e involuntário. O sujeito é passivo no sentido em que não faz uma decisão consciente em relação ao seu comportamento. Já no segundo o sujeito tem um papel ativo na escolha das suas ações.

Em 1938 Skinner publica “The behavior of organisms” nascendo a ciência do Comportamento Operante. Esta, pelos seus esforços, torna-se não só uma ciência, mas também uma técnica na mudança de comportamento, não só em humanos, mas também utilizada para ensinar outros animais.

As contribuições de Scott and Fuller (1965) não são menos importantes para entendermos o comportamento e a aprendizagem. A publicação de “Dog behavior – the genetic basis” adaptada posteriormente para “Genetics and the social behavior of the dog” refere a importância do papel da hereditariedade no desenvolvimento do comportamento assim como identifica os períodos críticos de socialização dos cachorros. Chamam também a atenção para as diferenças entre raças no que diz respeito a características emocionais e motivacionais. Diferentes raças têm diferentes predisposições comportamentais e temperamentais existindo assim diferenças no que diz respeito ao que os motiva.

Afinal como é que os cães aprendem?

Condicionamento Operante: Reforço e Castigo

Para entender como funciona o Comportamento Operante, precisamos perceber alguns princípios básicos do comportamento.

Assim, começamos pelo conceito de Reforço que é o conceito chave para perceber como é que a aprendizagem se dá.

O reforço acontece quando um comportamento seguido por um estímulo consequente é fortalecido ou se torna mais provável de acontecer outra vez.

Um estímulo, por sua vez, é qualquer objecto ou evento que pode ser detectado pelos sentidos e que pode afectar o comportamento de uma pessoa ou animal.

Estímulos podem assim ser sons, comida, cheiros, toques ou sinais visuais.

No treino de cães, dizemos que estamos a reforçar um comportamento quando aplicamos consequências que possam aumentar ou manter determinado comportamento.

Um reforço – do inglês reinforcer – é um estímulo que quando apresentado logo após um comportamento, faz com que esse comportamento seja mais provável de acontecer no futuro. Dependendo da raça, do temperamento e da individualidade das preferências do cão, são utilizados diferentes reforços ou “reinforcers”.

Os “reinforcers” podem ser primários ou secundários.

Os primeiros são aqueles relacionados com a biologia – incluindo comida bebida alguns tipos de toque e contacto sexual.

Os segundos, (secundários) também chamados de reforços condicionados, referem-se a estímulos que tem um contexto social e necessitam de ser aprendidos. Por exemplo quando dizemos as primeiras vezes “bonito” ou “boa” o cão não sabe o que isso significa até começar a ganhar um sentido positivo para ele. Seguindo este exemplo, isso só acontece quando esse estímulo é, “conectado” ou “emparelhado” com um reforço primário. Por exemplo dar o elogio e logo de seguida fazer uma “festa” ou dar um biscoito. Assim, após um determinado número de repetições, o estímulo que era neutro (elogio) passa a ser condicionado, tornando-se assim um reforço secundário capaz de funcionar como um reforço primário. O cão aprende a associar o elogio como algo positivo. Outros exemplos de reforços secundários podem ser brinquedos e o ato de “brincar”.

O Reforço ou reinforcer pode ser positivo (+) ou negativo (-). Ambos aumentam a probabilidade de um comportamento se repetir no futuro.

O positivo está relacionado com o sentido de adicionar algo, o negativo com o retirar. Ou seja, algo que o cão quer obter no primeiro caso, ou algo que quer evitar no segundo.

Vejamos, quando um estímulo positivo (ou positive reinforcer) é adicionado logo após um determinado comportamento, estamos a reforçá-lo no sentido de que estamos a aumentar a probabilidade de que este ocorra mais vezes no futuro. Se o cuidador der um biscoito ao cão sempre (na fase inicial do treino) que ele se senta, (ao invés de por exemplo se manter em 4 patas ou saltar) dizemos que estamos a reforçar positivamente

esse comportamento aumentando a sua frequência. O cão aprende que a entrega do reinforcer é uma consequência do seu comportamento. Ele decide conscientemente ter esse comportamento porque está motivado, e prevê a consequência do mesmo.

O reforço negativo (ou negative reinforcement) acontece quando um estímulo aversivo é retirado logo de seguida perante a apresentação do comportamento desejado, aumentando a probabilidade da sua ocorrência no futuro

Imaginemos um cão que está a ser treinado a andar à trela com uma coleira estranguladora. Sempre que o cão tem o comportamento desejado que será por exemplo andar atrás de quem o passeia, a pessoa que segura a trela retira a pressão da coleira estranguladora.

Sempre que o cão sente que a pressão vai ser aplicada apressa-se a voltar à posição dita “correcta” para evitar a reprimenda.

Neste caso a motivação é evitar a dor ou desconforto, o cão trabalha para escapar ao estímulo aversivo.

Para além de não ser ética, provocar dor e desconforto, induzir medo e apreensão, a aplicação deste tipo de reforço pode levar ao desenvolvimento de frustração, reatividade e agressão. Para além de poder não funcionar dependendo do temperamento do cão e do seu nível de tolerância à dor (entre outros factores) pode inevitavelmente levar a uma quebra de confiança e deterioração do elo na relação com o cuidador causando estragos irremediáveis. Porquê utilizar tais métodos se podemos atingir os mesmos resultados utilizando técnicas facilitadoras que proporcionem o bem-estar a e o estabelecimento de relações baseadas na confiança e compreensão mútua?

Outra técnica do Condicionamento Operante pela qual o seu cão aprende estabelecendo uma associação entre um comportamento e uma consequência é o Castigo.

Este, tal como o reforço, pode também ser positivo (+) ou negativo (-), condicionado ou não condicionado.

A maior parte dos castigos podem ser qualificados em 4 categorias: reprimendas verbais, time out, custo de resposta, e castigo físico.

Reprimendas verbais e castigo físico envolvem a adição/aplicação de eventos aversivos para o cão, enquanto o “time out” e “custo de resposta” envolvem a remoção de uma consequência positiva (acesso a reforços por exemplo comida, brinquedos, atenção).

Exemplos de castigos não condicionados, (relacionados com a biologia) são entre outros níveis extremos de calor ou frio, sons intensos ou quaisquer estímulos que causem dor como colar de choque, estranguladora, beliscões, esticões ou “bater”.

Se estes estímulos foram emparelhados com reprimendas verbais como “não” “para” ou gritar alto o nome do cão, ou mesmo expressões faciais expressadas nesses momentos, cria-se uma associação entre os dois, passando os últimos a ganhar um significado negativo, funcionando da mesma forma que os primeiros.

Ao contrário, do reforço, que opera para aumentar a probabilidade da ocorrência de um comportamento desejado, o castigo opera no sentido de reduzir a probabilidade da manifestação de um comportamento indesejado no futuro.

De uma forma simples, se o comportamento é seguido da adição (+) de um estímulo aversivo para o cão, dizemos que o castigo é positivo. Se retirarmos (-) um estímulo que o cão deseja logo de seguida ao comportamento que ele exibe, o castigo é negativo.

Vejamos um exemplo de castigo positivo: o cão puxa à trela ou salta e sempre que ele exibe tais comportamentos o cuidador adiciona um castigo físico e grita com o cão.

Na teoria, e se o cão considerar estes estímulos aversivos, a aplicação do castigo positivo (que desaconselhamos vivamente pelas consequências nefastas na saúde física mental e emocional do cão) irá operar de forma a reduzir a probabilidade de manifestação do comportamento indesejado devido às consequências que comporta.

O castigo negativo reduz igualmente a probabilidade da manifestação de um comportamento indesejado, no entanto aqui a consequência da sua exibição é a remoção de um estímulo de valor. Em vez de adicionar um estímulo aversivo, retiramos um estímulo que é valorizado pelo cão.

Vejamos um exemplo: a família está a jantar e o cão não para de saltar para cima da mesa. Estamos a utilizar o castigo negativo em “time out” se o retirarmos da situação/local onde estão os reforços que ele quer (explo: comida, atenção) e o colocarmos num local onde não existe qualquer tipo de reforço (por breves momentos e logo de seguida ao comportamento indesejado para que ele consiga fazer a associação entre o comportamento e a consequência).

A aplicação do castigo negativo deve ter em conta fatores individuais, temperamentais, técnicos e contextuais na medida em que a sua utilização frequente compulsiva e

desajustada, e sem o auxílio de outras técnicas de reforço positivo, poderá causar níveis de elevada frustração não resolvendo o problema e levando â manifestação de outros.

Afinal como é que os cães aprendem?

Conclusão

Em suma a utilização do Condicionamento Operante como instrumento de ensino/aprendizagem através dos procedimentos descritos permite que o “sujeito” ou o cão neste caso, aprenda quais as consequências dos seus comportamentos, e seja ativo na escolha dos mesmos. Podemos fazer com que a ocorrência de determinados comportamentos aumente ou diminua através do uso de reforços ou castigos.

Em jeito de conclusão, torna-se importante dizer que métodos de treino pautados pela ética, são aqueles que consideram acima de tudo a saúde mental física e emocional do cão. Tal como com os humanos, devemos respeitar os seus tempos e ritmos de aprendizagem. Perceber acima de tudo o que motiva o cão para exibir determinado comportamento e qual a sua função.

Quando se perguntar porque é que o seu cão continua a puxar à trela, a saltar para cima de si ou dos convidados, ou a pedinchar de forma desajustada e inconveniente (para si, ele não tem esse conceito) pergunte-se qual é a consequência que ele obtém por manifestar esse comportamento. Habitualmente é simples: It works! Ele aprendeu pela repetição, pelo historial de aprendizagem que consegue o que quer tendo esse comportamento.

É possível modificar tais comportamentos, no entanto, a dificuldade irá estar associada ao tempo de prática que o cão já tem.

No entanto, ele tem o direito e está sempre a tempo de aprender novas competências, e nós, porque escolhemos tê-lo a nosso cargo e fazer dele um membro da família, temos o dever de lhes ensinar formas adequadas de obter o que desejam.

Para isso podemos utilizar outras técnicas com base no reforço positivo. Castigar ignorando a manifestação de um comportamento indesejado quando o seu cão quer a sua atenção, ou retirá-lo de uma situação removendo os reforços que ele deseja obter, pode não surtir o efeito desejado porque estamos somente a dizer ao cão aquilo que não queremos que ele faça, ao invés de lhe ensinar e reforçar comportamentos aceitáveis e apropriados (a nosso ver) para obter aquilo que deseja.

Neste sentido, podemos utilizar técnicas de “Reforço Diferencial” através do reforço de comportamentos alternativos - DRA-Differential reinforcement of Alternative behaviors), de comportamentos incompatíveis - DRI- Differential reinforcement of Incompatible Behaviors, ou do reforço de outros comportamentos – DRO- Differential Reinforcement of Other Behaviors.

Porque já nos alongamos, e já existe muita informação para processar, ficamos por aqui, deixando estas explicações para outro artigo.

Entretanto já sabe, se precisa de ajuda, estamos à distância de uma mensagem.

Obrigada por nos acompanharem


Bibliografia:

Burch, M. R. PH.D & Bailey, J.S. PH.D (1999) How Dogs Learn. Whiley

Publishing, New York.

Afinal como é que os cães aprendem?

NEWSLETTER

Inscreva-se para receber as nossas novidades e aceda a um e-book com treinos básicos grátis.

Ao subscrever a nossa newsletter, concorda com o tratamento dos dados pessoais de acordo com a Política de Privacidade e Proteção de Dados.